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  • Foto do escritorMessias Adriano

Tár | Crítica

Atualizado: 16 de jan.


Nós conhecemos Lydia Tár já no auge da carreira. Logo no início do filme, somos apresentados a uma descrição do talento da protagonista, que revela alguns detalhes de sua vida profissional e opiniões em uma entrevista com plateia para a revista New Yorker que exalta o currículo da artista. Esses detalhes iniciais, no entanto, pouco dizem sobre o passado ou ascensão da regente. Não sabemos como ela chegou ali, quais percalços teve que encarar, ou quais derrotas teve que superar, nem nesse começo, nem durante o desenrolar da trama. Só sabemos que Lydia é uma pessoa manipuladora e altamente focada na carreira profissional, o que às vezes é mostrado de forma explícita (a insatisfação de um aluno quanto ao método de ensino da professora um tanto quanto agressivo) e às vezes é mostrado por meio de minúcias (se o barulho de uma caneta a incomoda, ela pega sorrateiramente o objeto assim que o senhorzinho dá as costas). Essa omissão do passado poderia soar como falha, mas é, na verdade, um dos trunfos do roteiro de Todd Field.


Os sinais sonoros de que algo está prestes a dar errado na vida da protagonista não são sutis: uma campainha toca intermitentemente, sirenes na rua, gritos de uma mulher no parque que nunca é revelada, ou o zunido da geladeira que a acorda no meio da noite funcionam como um prenúncio do desequilíbrio e problemas que aparecerão a seguir.



Os símbolos também são visuais: em determinado momento no qual Lydia está em dúvida, o quadro é dividido entre a luz da rua que mostra o carro da protagonista, e uma escada escura e que indica uma descida por caminho tortuoso e desconhecido. Em outra passagem, um acidente deixa o rosto de Lydia muito machucado, mas somente de um lado, enquanto o posicionamento das câmeras faz questão de mostrar que a outra face segue intacta (a artista genial possui um lado tóxico que ninguém vê, mas que será evidenciado). Ainda, quando briga com esposa, a câmera acompanha as duas caminharem dentro do apartamento para uma iluminação de cor vermelha, indicando o perigo da situação, além de elaborar um jogo cênico de dominância, no qual frequentemente uma é mostrada “maior” que a outra por conta da mise-en-scène que corresponde ao tom da conversa.


O filme faz um trabalho formidável na construção da tensão da espiral descendente rumo ao fundo do poço da protagonista. A pressão é transmitida ao espectador muitas vezes de forma simples, como mostrar por um pouco mais de tempo o cochicho da orquestra quando Tár chega para um ensaio, mas também faz questão de inserir momentos nos quais os extremos do que há de bom e ruim na protagonista são confrontados: quando está prestes a escrever algo bonito significativo dedicado à única pessoa que possui um amor sincero (“Para Petra”), o celular toca com notificações informando sobre as acusações de assédio. A partir desse momento, tudo começa a acontecer de forma acelerada e ao mesmo tempo, tal qual como as coisas ruins geralmente se desenrolam na vida real.


É também a partir daí que aparece o aspecto mais instigante do filme: a culpa de Lydia Tár. Se pararmos pra pensar sobre a aula inicial na qual Tár expõe seus pensamentos, tudo é mostrado em um grande plano longo, o que se revela posteriormente uma técnica longe de ser vazia ou por vaidade, mas feita para contrastar com o vídeo postado nas redes posteriormente, que mostra o mesmo momento editado e cheio de cortes com o intuito de vilanizar a professora. Agora, pensando no filme como um todo, o que vemos sobre o comportamento predatório seria uma espécie desse vídeo-montagem das redes sociais, visto que acompanhamos somente um recorte da vida da protagonista, então por isso não mostrar a ascensão? Seria Tár uma abusadora, ou alguém de sucesso que precisou impor suas opiniões goela abaixo dos grandes nomes no passado, que defende a filha a qualquer custo e tem momentos de ternura com a criança a ponto de acordar no meio da noite pra segurar o pé da menina?



Como disse a maestrina na aula ao analisar Bach: “é a dúvida que envolve o ouvinte, nunca a resposta”. Para o filme e para Lydia, a resposta quanto a isso não importa. Tudo é música pra ela (até soco no saco de pancadas do boxe é ritmado) e música, como disse Leonard Bernstein na fita que ela assiste, é movimento. No movimento de tentar se reconstruir, o trauma ainda estará lá (a escolha das garotas da massagem e o número 5 da “quinta sinfonia” a encarando), mas ela vai tentar se reerguer através daquilo que a impede de "ser um robô" e aquilo que a motivou no início da carreira: a beleza da arte.


Por mais estranha, ridícula e sem pompa que seja a arte.


 

Nota: 5/5


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