
"Bachata" é um gênero musical caribenho originado na República Dominicana cujo ritmo e características, um tanto similar ao bolero, conta com letras que normalmente envolvem histórias de amor, respeito, e bastante movimento. Já Biônico é apenas nosso protagonista nesta comédia, que não necessariamente precisa de explicações para seu nome.
Na introdução, apesar da cena onírica, que mostra o homem voando nas nuvens, o que se segue é uma violenta queda no chão. Mas ele se levanta, põe os óculos escuros e segue.
Viciado em drogas, Biônico vive de forma precária e se vira como pode nas ruas do local onde mora. Ao descobrir que seu grande amor, Flaca, está em vias de sair de uma clínica de reabilitação, ele precisa se recompor para evitar que a mulher de sua vida lhe escape pelos dedos, o que envolverá a procura de um emprego e a tentativa de largar o crack.

O filme se desenrola de forma atraente como um mockumentary, um falso documentário de câmera nervosa e montagem frenética quando os personagens se encontram sob efeito das drogas, ou seja, quase o tempo todo. No entanto, quando não estão chapados, a cadência dos planos e equilíbrio da câmera se acalmam um pouco. Trata-se de um contraste que o diretor Yoel Morales sabe conduzir a favor da trama e sem nunca deixar que o filme perca suas características assumidamente cômicas. Mesmo nos momentos considerados mais sérios, ainda existem pequenos flertes com o humor, como um anel brilhando exageradamente em determinada passagem.
Durante os 80 minutos da projeção, experimenta-se também o preto e branco sob uma iluminação mais controlada, em estúdio, vemos recortes de vídeos que emulam redes sociais, como as postagens do Tik Tok namorada, e assistimos o amigo assumir a “direção” do documentário que está sendo elaborado dentro da trama. Ora, em um filme que trata de um personagem energético e caótico, esse desequilíbrio acaba se tornando bem-vindo e inteligente, assim como a própria trilha sonora, que traz suas qualidades ao se revelar descompassada e fugir ao ritmo comum em muitos momentos.
Morales utiliza atores profissionais e não-profissionais, atingindo um naturalismo que deixaria com inveja muitos diretores. As pessoas cruzam os planos, os personagens falam em cima do outro, tudo isso acompanhado por uma câmera que se movimenta de forma ansiosa, como se parecesse querer gravar tudo em um único take (e isso é um elogio). Já o ator Manuel Raposo assume o protagonismo de Biônico em uma performance admirável, cuja maestria se dá pelo fato de encarná-lo como um personagem adorável, romântico e imperfeito, que quebra a quarta parede e produz um alto efeito cômico com esse olhar de desconfiança.

Trata-se de um filme de humor rasgadíssimo sobre pessoas que usam crack. Ao ler a frase anterior, a obra tinha tudo pra dar errado e tropeçar no ofensivo de mau gosto. No entanto, a condução de Yoel Morales e o talento de Manuel Raposo fazem com que o público ria “com” o personagem e não “do” personagem, transparecendo certo carinho para com aquelas pessoas.
São personagens marginais tratados não como escória ou macacos em um zoológico para deleite do espectador confortável em sua poltrona, mas com dignidade e demonstrando que possuem sentimentos legítimos, tudo isso em volta de uma matéria espinhosa, o vício em drogas. Morales nos apresenta pessoas desgraçadas pela vida, mas bonitas no interior. Ao fugir da caricatura e encontrar a humanidade, evidencia-se o talento da condução por conseguir fazer funcionar de forma tão incisiva o contraste geral entre o tema pesado e o tratamento cômico.
Nota: 4/5

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