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As Bestas | Crítica

Foto do escritor: Messias AdrianoMessias Adriano

Atualizado: 4 de jan.

O “rapa das bestas” é uma tradição da região espanhola da Galícia que consiste em homens chamados de “aloitadores” dominarem com o próprio corpo diversos cavalos selvagens que andam livremente nas montanhas para “desparasitá-los”, marcá-los e, de certa forma, controlá-los.


Ambientado sob o cenário das montanhas galesas e num desabrochar instigante, vemos Inicialmente em As Bestas a rotina de um homem francês, Antoine (Denis Ménochet, de Bastardos Inglórios), que sai de um bar, ajeita um telhado e possui uma boa relação com a mulher Olga (Marina Fois). O homem reforma casas no pequeno vilarejo sem intenções financeiras ou de lucro, apenas para que o local venha a ser futuramente habitado, enquanto paralelamente cuida da pequena horta com a mulher para vender os legumes e vegetais na feira da cidade. Ocorre que alguns vizinhos se indispõem com o francês porque ele se recusou a vender as próprias terras para a construção de uma grande usina eólica, algo que também inviabilizou a venda das terras vizinhas, em uma trama que irá nos lembrar Aquarius, de Kleber Mendonça Filho.


A fotografia usa muito bem a luz para dar o tom ameaçador a um personagem, com uma contraluz vinda da janela potencializando o perigo vindo desse vizinho perigoso, assim como sublinha o grande poder das eólicas ao formar uma bonita composição na qual as gigantescas pás impõem o seu tamanho a um Antoine diminuto no quadro, quase vencido pelo tamanho daquela construção.


Se o diretor Rodrigo Sorogoyen usa o slow motion no ataque ao cavalo da cena de abertura, é com movimentos leves que também nos apresenta os homens no bar: cada vez que a câmera se move para o lado ou para frente, o faz de maneira lenta e compassada, o que, de certa forma, demonstra sofisticação e paciência na construção da tensão, indo de uma cena onde o conflito é logo encerrado, mas também passando por cenas onde as conversas se estendem em uma angústia interminável sustentada pelo diálogo. Em um jogo de dominó, por exemplo, demora-se um longo tempo em um zoom até que a câmera vá de um plano mais aberto a um plano mais fechado enquanto um personagem provoca verbalmente o outro.


O roteiro, aliás, é competente ao oferecer informações e utilizá-las para alimentar a curiosidade e atenção do espectador sem soar verborrágico ou expositivo: quando o policial pede que “não voltem às antigas práticas”, sabemos que os vizinhos possuem histórico de conflitos, sem que nada mais precise ser dito. Ao mesmo tempo, as atitudes que vemos ressaltam a humanidade daquelas pessoas ao construir situações na qual dúvidas e mudanças vêm à tona, advindas de personalidades imperfeitas, como ao fazer com que os personagens repitam atitudes que acabamos de ver, mesmo que não tenham concordado inicialmente (o pai aconselha a filha a conversar com uma colega para resolver um desentendimento logo após ser aconselhado pelo policial a tomar uma cerveja com o vizinho, bater um papo e resolver a questão dessa forma). Mas esse realismo crível está principalmente apoiado na sagacidade de colocar bons motivos para que cada personagem permaneça firme em sua posição, dando espaço para que o próprio antagonista faça um discurso centrado e coerente sobre sua vida, momento no qual descobrimos as motivações daquela pessoa.


Numa virada de tom que transforma a segunda metade quase que em um filme diferente, no qual a tensão dá espaço à investigação, temos a certeza que Olga é a mais humana daqueles personagens principais e que tecnologia ajuda menos do que a dedicação amorosa em determinadas situações. Nas montanhas que Antoine passeia, não é coincidência que ele veja os cavalos selvagens passando a sua frente, quase como uma representação de que talvez ele seja o “selvagem livre” dali.


Mas afinal, o rapa das bestas é feito para que os cavalos possam viver livremente, ou para que quem os controla (os aloitadores) possam viver livremente?


 

Nota: 4/5



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1 Comment


Milena Moura
Milena Moura
Jan 29, 2024

Muito bom!

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