Eddington - Crítica
- Messias Adriano

- há 2 dias
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O clima de paranoia maluca que o diretor Ari Aster tentou criar em seu filme anterior, Beau Tem Medo, se faz de volta em seu mais novo longa-metragem, mas (felizmente) com uma roupagem diferente e mais assertiva. Isso porque, se em Beau Tem Medo o pesadelo era difuso e pessoal, Eddington faz com que o terror kafkaniano seja real e universal. Basta abrir a janela.
Situado em maio de 2020, logo quando a pandemia de COVID se espalhava pelo mundo e medidas de contenção do vírus eram aplicadas, uma rixa entre prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal) e o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix) escala bastante, indo de discussões sobre o uso de máscara a movimentos contestatórios e políticos como o Vidas Negras Importam.
Trabalho difícil e escorregadio, especialmente se levarmos em conta que o projeto possui uma boa dose de comicidade. Descambar para o desrespeitoso seria perigoso caso o projeto fosse comandado por mãos incapazes. Aster, no entanto, extrai humor do simples, como quando eleva o constrangimento da situação com um longo plano sem cortes enquanto pessoas ao redor olham o xerife que acabou de levar um tapa em público e nada fez, ou quando mantém a câmera afastada e faz movimentos mínimos em outra passagem também sem cortes envolvendo uma luta corporal do xerife com um andarilho. É a fisicalidade do pastelão equilibrada com o distanciamento que deixa tudo mais ridículo.
Ainda, como espécie de “faroeste contemporâneo político”, alguns ângulos não deixam de lembrar um confronto de entre cowboys tão frequentes em clássicos, com um personagem que confronta o outro enquanto a câmera é posicionada na altura da cintura e do coldre. No entanto, até esse momento, ninguém puxa a arma de fogo, apenas utilizam as armas verbais. Mas as armas de fogo serão, sim, utilizadas no filme.

Há uma estranheza instigante no personagem do xerife Joe Cross. Seria ele o estereótipo do conservador, mas ingênuo? Tudo fica dúbio até certo ponto, visto que Phoenix exerce o papel de um protagonista com o qual nos afeiçoamos, especialmente por sua fragilidade de figura patética. Ele defende a liberdade de escolha, mas em detrimento da saúde dos outros, lembra que a cidade já foi grande e gloriosa, mas como uma mineradora de cobre, ignorando os efeitos ambientais e trabalhistas. Um discurso típico da gênese de um conservadorismo trumpista.
Por outro lado, o prefeito Ted Garcia, hispânico, preocupado com a saúde e contenção do vírus, seria a representação do liberal no sentido norte-americano? Dubiedades vêm à tona com os interesses financeiros do político na instalação de um grande data-center na cidade, à revelia dos danos e impactos ambientais que o empreendimento causará, exigindo uma grande quantidade de água em um local desértico e seco no qual o bem já é escasso.
Eddington, apesar de não citar diretamente Trump, esquerda ou direita, liberais ou conservadores, cria seus tokens. Isso pode fazer do filme uma perigosa obra “apolítica”, que não quer tomar partido, utilizando-se apenas da posição confortável de observador externo.
No entanto, se na superfície o filme parece defender que movimentos sociais como Vidas Negras Importam, legalização do aborto, Me Too, etc. são inócuos por serem liderados por interesses egoísticos, como um interesse amoroso, sexo ou poder, é preciso levar em consideração a descrença pessimista que tais ativismos bem intencionados sejam sequestrados justamente por vozes oportunistas e que ganham notoriedade. Os movimentos são legítimos, a cooptção oportunista é que lasca.
Há desconforto em imaginarmos como somos manipulados e como, após a pandemia, tudo pareceu entrar na velocidade 2.0 em termos de loucura e confusão, caoticamente retratada no terço final do filme. Aqueles que eram tidos como irrelevantes ou malucos pelos dois lados podem, e foram, facilmente alçados a um posto de poder, o que é divertidamente representado pelo adesivo “Your being manipulated” na caminhonete do xerife Joe Cross.

Mais do que um erro de digitação (pois o correto seria “You’RE being manipulated”, “você está sendo manipulado”) se transforma em algo como “Seu (representante) sendo manipulado”.
Enquanto isso, tal como em um dos pôsteres e tal como um discurso feito por um ministro brasileiro em um passado não muito distante, a boiada passa, mas passa direto para o abismo.


Nota: 4/5







Excelente crítica, parabéns
Quero muito assistir!