En La Caliente – Contos de um Guerreiro do Reggaeton | Crítica
- Messias Adriano
- 24 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de nov. de 2024

Assim como há o chamado “cinema de guerrilha”, termo designado a produções de baixo ou nenhum orçamento, feito sem apoio de empresas ou corporações e contando nos bastidores com profissionais apaixonados pelo projeto, En La Caliente – Contos de um Guerreiro do Reggaeton poderia muito bem utilizar o termo “música de guerrilha” para nomear o trabalho do protagonista de sua trama.
Durante boa parte dos Anos 90, houve em Cuba um cantor de sucesso que levou o ritmo reggaeton para as ruas e casas do país caribenho. Kandyman é o nome do nosso personagem principal, que, no entanto, desapareceu e vive recluso, mas que pretende voltar para a cena musical com novos trabalhos.

Construído como mito, o filme esconde nos primeiros minutos o tal do artista, quando apenas ouvimos relatos de como ele se apresentava e como estava presente nos rádios do país, decisão do roteiro e montagem que colabora para que o espectador entenda como essa pessoa deve ser muito importante.
Para além de explorar Kandyman, no entanto, uma das construções do documentário é explicar o surgimento do reggaeton em Cuba: difundido no contexto de crise econômica, os personagens explicam que o gênero musical se origina como uma espécie de salvação para aquelas pessoas, ou “usam música como oxigênio”, como descreve um entrevistado.
Isso porque havia (e ainda há) em Cuba um diversionismo ideológico institucionalizado pelo governo: por supostamente ferir a moral e as tradições do país, o ritmo é simplesmente proibido e perseguido pelas autoridades. Algo como se o governo brasileiro banisse o funk e os artistas daqui tivessem que viver na clandestinidade para poder trabalhar com o que melhor sabem e gostam de fazer.
Na busca de não soar monocórdio ou lamentador, o diretor Fabien Pisani também abre espaço para que membros do Instituto Nacional da Música tentarem justificar as decisões. No entanto, os argumentos da defesa das restrições em nome da decência e para salvar a sociedade de uma suposta “deterioração dos bons costumes” não conseguem esconder que não passam de uma rejeição da cultura popular, uma visão moralizadora do Estado, que tem por objetivo controlar as mais diversas áreas, inclusive os meios de comunicação, tudo decidido por velhos generais, como fazem questão de nos mostrar as imagens de arquivo.

Essa arte do mundo marginal, que a periferia vê como espelho de suas características e entendimentos não é retratada no documentário com afastamento burocrático, mas sim como uma câmera que acompanha cada passo dos personagens, do artista respeitado tirando o lixo da casa, a essa mesma pessoa gravando em estúdios improvisados ou precários. Há uma passagem curiosa de uma capa de CD sendo impressa e emplastificada totalmente com equipamentos comuns, inclusive com o auxílio da chama de um fogão.
A montagem acompanha uma trajetória longa e se diverte com esses contrastes, como dispor, logo após uma dança animada do protagonista se apresentando, ele jantando em um trailer, sozinho e no meio de uma estrada.
O trabalho de acompanhar Kandyman, desde a procura da figura lendária, a um suposto ressurgimento e decepção, faz questão de mostrar a paixão daquelas pessoas, às vezes antipáticas e erráticas, mas que persistem nos seus objetivos, sem romantizar o sofrimento. Ao fim e ao cabo, Kandyman é um guerreiro da periferia, como muitos daqueles personagens: pessoas reais, com defeitos, tolhidas, mas obstinadas.
Nota: 3/5

Comments