
David (Lucas Limeira) é um jovem diretor de cinema que está voltando a Fortaleza, sua terra natal, para apresentar um filme em um festival de cinema. Ocorre que um perigoso vírus está se espalhando pelo Brasil e pelo mundo, o que pode atrapalhar os planos do protagonista em voltar rapidamente para a Europa.
A chegada dele é atabalhoada. David é um cineasta sem recursos e fica hospedado em uma pousada de ventilador quebrado e frigobar vazio. Na cidade, ele é roubado (ou melhor, furtado, como aponta a policial desinteressada) e os amigos não são capazes de acolhê-lo durante a pandemia. Quase que por obrigação, David vai em busca do pai que não encontra há anos, porque se não o fosse, não teria nem mesmo onde ficar.
Existe uma orientação no mundo artístico que, quanto mais pessoal, mais criativo. Tomando isso por princípio, o diretor cearense Guto Parente decide falar sobre parentes, especificamente sobre o pai, sem deixar o seu estilo com um pezinho no cinema fantástico aparecer.
Mas esse filme é pra entender, ou é daqueles “só pra sentir”? O estilo experimental de Parente aparece em determinados momentos, mas quase todos eles ligados pontualmente a situações oníricas, o que faz a história transitar de forma fluida entre o sensorial e a narrativa clássica de reencontros e perdões. Esse é pra entender, mas não deixa de ser pra sentir também. É os dois.

Corroborando com essa sensação de “viagem massa” (definição dos próprios amigos de David sobre filmes experimentais), o trabalho sonoro de Estranho Caminho se une à trilha de trompetes e sinos dissonantes de Uirá dos Reis e Fafa Nascimento, que são mixados para flutuarem por toda a sala e assim ajudar a construir a estranheza a tensão das situações, seja em um sonho, seja ao vermos um personagem acordar na cama de um hospital.
A inclusão de arranhões de película, grãos e marcas simulando a mudança de rolos aparece no início, no sonho que David está tendo, e pode soar desconexa e gratuita, mas a volta desses mesmos efeitos no momento no qual o protagonista revisita imagem das fotos do passado com o pai dá importância ao momento e nos ajuda a desvendar o objetivo do próprio filme. A escolha da montagem de cortar rapidamente após um rápido zoom (closes de orelha, boca, olho e olho mágico de uma porta) vão fazer sentido posteriormente, quase como uma entrada do protagonista em um outro universo.
Parente é econômico e eficaz na direção: em vez de incluir um diálogo expositivo do que a companheira de David acha da situação na qual o protagonista se meteu, o diretor acerta ao mostrar apenas reação perplexa dela por ligação de vídeo em alguns segundos. Não precisamos mais do que isso para entender as emoções ali retratadas.

Além disso, é admirável a capacidade da equipe de direção e dos atores em transparecer a espontaneidade dos personagens: sejam amigos conversando em uma praia, seja uma mulher irritada tentando abrir um cadeado (“c*ralho, cadê essa chave?!“), essas situações podem até ter sido milimetricamente ensaiadas, mas sempre parecem contextos reais, ancorados em pessoas e falas que poderíamos ouvir no cotidiano.
O destaque, no entanto, vai para Carlos Francisco no papel do pai Geraldo. O ator expõe com o olhar e com a expressão corporal uma rigidez amedrontadora, algo que, unido à rapidez com a qual diz as falas, revela a complexidade daquela personalidade, alguém difícil de se entender e de conviver. Por isso é eficiente incluir o símbolo incluído do pai carregando uma espécie de escudo quando visto pela alucinação do filho no meio da rua.
Ao mesmo tempo, o personagem não se mostra completamente fechado e hostil. Existem momentos que transparece quase como se o homem tivesse vergonha ou medo de tentar se conectar ao filho, revelando interesse no rapaz, mas sem saber como fazer essa aproximação (“esse seu filme é diferente dos que eu costumava ver e dos seus outros filmes também.”, diz o Geraldo ao filho numa confissão que lhe escapa).
Dessa forma, equilibrando-se com competência entre o onírico, o doce e o espontâneo, Estranho Caminho é uma obra que encontra sua principal força na capacidade de instigar o espectador a desvendar seus símbolos e segredos, que deixam a sensação de grata surpresa ao final.
Nota: 4/5

Excelente crítica!