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Eu, Capitão | Crítica

Foto do escritor: Messias AdrianoMessias Adriano

Atualizado: 13 de abr. de 2024


migrantes no deserto do sahara

Real Madrid, Paris Saint-Germain, Barcelona, Tottenham, Arsenal e Atlético de Madrid. Esses são alguns dos times de futebol cujos personagens de Eu, Capitão usam as camisas, sejam eles senegaleses, maleses, nigerianos ou libaneses. Admiração de um continente economicamente pobre por outro supostamente desenvolvido que se reflete no sonho de migração África-Europa, tema central do filme.


Na trama, o adolescente senegalês Seydou (Seydou Sarr) já inicia sendo despertado do sono pelo barulho das crianças com as quais divide o quarto. Inicialmente irritado, não demora muito até que o gentil protagonista troque afetos com os pequenos familiares. Seydou pretende sair em segredo de seu país junto com o primo também adolescente Moussa (Moustapha Fall) rumo à Itália. Essa diáspora econômica em busca de melhores condições de vida é retratada pelo diretor italiano Matteo Garrone (também responsável por uma das adaptações recentes de Pinóquio, com Roberto Benigni) como uma jornada épica tortuosa.


Seydou com camisa do Barcelona

Os pobres jovens possuem uma relação até que madura: rapidamente, um perdoa o outro por ter contado à mãe sobre os planos de ir embora, por exemplo. Na condição em que vivem e com os planos que têm, não há tempo para desentendimentos menores. No entanto, os amigos serão enganados, extorquidos e machucados (mental e fisicamente) durante todo o percurso que pretendem fazer, numa ingenuidade não necessariamente vinculada à pouca idade, visto que pessoas das mais diferentes faixas etárias também são vistas passando pelas mesmas dificuldades.


Os puros rostos dos adolescentes contrastam com os apuros tenebrosos que enfrentam: caiu da caminhonete, morre no deserto, pois o motorista não volta nem para, num dos exemplos de desafios mais fáceis do caminho que ainda apresentará outros muito, muito piores, incluindo um mercado de escravos “moderno”. Nesse sentido, Garrone transmite bem essa agonia e tensão de cada etapa da viagem, com méritos para a montagem de Marco Spoletini, que alterna para os jovens assustados e segurando firme (literal e figurativamente) para não terem o mesmo destino dos que padecem.


Pequenos momentos de respiro em meio à dor funcionam de forma eficiente: na noite anterior à partida, Seydou olha com tristeza a brincadeira dos irmãos por alguns segundos, pois sabe que vai embora pela manhã. Ou atravessador engraçado que confecciona passaportes falsos, com seus óculos escuros e postura impaciente: “NO TIME TO LOSE. NEXT.”


Migrantes no deserto do Saara vistos de longe

Ocorre que o roteiro escrito a oito mãos – o que quase nunca é um bom sinal - no entanto, também descamba para o onírico um tanto quanto fora do tom, pois não consegue ser poético o suficiente para emocionar, além de serem inseridos em momentos que podem até ser justificados pelo estado mental exausto do personagem, mas parecem ter sido mal aplicados em questão de ritmo. Vemos pessoas levitando em resgate, ou anjos que conduzem ao quarto da mãe, numa quebra de contexto da realidade que não impressiona. Não representam uma fuga bem-vinda, mas um exercício de estilo inócuo. Frente à violência e tortura pesadas, no mais cruel inferno pelo qual os personagens passam, também restam dúvidas se aquilo não seria um fetiche pelo sofrimento alheio, ou uma realidade crua, mostrada sem pudor.


Acrescentadas a todas essas questões e alternâncias, ainda está o tom agridoce do fim, principalmente por jamais questionar se aqueles objetivos valem as penas pelas quais passam os personagens. Não se julga em Eu, Capitão os motivos da migração, bem como as consequências. Ao mesmo tempo, uma obra italiana sobre senegaleses migrantes deveria entrar nesse terreno? Por covardia ou respeito, a indecisão produz um resultado que não aquece os sentimentos quanto poderia.


 

Nota: 3/5

nota 3 estrelas de 5

52 visualizações1 comentário

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1 Comment


Milena Moura
Milena Moura
Feb 29, 2024

Gostei!

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