
As primeiras imagens que o filme Greta nos mostra são a de uma escada de uma casa simples, quando paramédicos surgem transportando uma senhora e um acompanhante ao hospital. Demora apenas alguns segundos para que se note as ambições artísticas da produção: a cena é filmada em um plano longo e, enquanto os personagens passam pelo corredor, o quadro foca em Pedro, que se movimenta retirando a maquiagem enquanto as luzes que iluminam o rosto dele se modificam, passando pelo amarelo, verde e roxo.
Logo somos apresentados à personagem Daniela (Denise Weinberg) de saúde debilitada e amiga transgênero do enfermeiro gay Pedro (Marco Nanini), ambos já na casa dos sessenta ou setenta anos. O olhar sobre a homossexualidade de pessoas já velhas é o principal diferencial do primeiro longa do diretor Armando Praça, visto que quase sempre que a questão da orientação sexual é retratada nas telas, o foco está personagens jovens e, porque não, belos.
O centro da trama é Pedro. Velho, acima do peso, melancólico e sabendo que sua melhor amiga está prestes a lhe deixar, ele tenta se conectar com outras pessoas de formas desesperadas e tristes, aliviando a dor alheia para que o próprio sofrimento seja amenizado. Nas relações sexuais, quer ser chamado pelo nome da famosa atriz Greta Garbo. Essa ânsia por afeto lhe faz criar um verniz de autoconfiança (“Eu não tenho barriga“, ele responde ao ouvir um comentário sobre seu corpo que o desagrada).

O personagem, no entanto, é um poço de insegurança em seu âmago. Ao tentar criar uma nova relação com Jean, um paciente que o enfermeiro ajuda na fuga da polícia, Pedro falha, avança, desiste e tenta novamente, como quem não sabe o que quer ou qual caminho seguir. A interpretação de Marco Nanini é louvável pela coragem e pela maestria com a qual ele consegue construir as pequenas e as grandes frustrações do personagem. Uma pena que ao lado desse brilhantismo, o trabalho de Demick Lopes, que interpreta Jean, torne-se empalidecido.
A direção mostra competência principalmente na construção da mise-en-scène e na escolha dos enquadramentos. Um exemplo disso é a cena de jantar passada logo após Pedro descobrir a gravidade do crime que Jean cometeu. Ambos estão no mesmo cômodo, mas a conexão entre os dois personagens foi desfeita.
Acompanhar as decisões de Pedro e a influência que os outros personagens exercem sobre o abatimento do protagonista é instigante, mas não necessariamente prazeroso. A história cresce a medida que se desenrola e entendemos aquelas pessoas. Como as próprias luzes no rosto de Pedro no início do filme prenunciavam, o filme é sobre transformação. E como Daniela fala ao tentar consolar seu melhor amigo, “a felicidade nem sempre é divertida”.
*Texto publicado originalmente no site Canal Claquete em setembro de 2019, em cobertura para o Festival Cine Ceará.
Nota: 3/5

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