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  • Foto do escritorMessias Adriano

Oppenheimer | Crítica

Atualizado: 2 de dez. de 2023


Oppenheimer e a bomba

O retrato de guerras ou figuras históricas relacionadas a conflitos bélicos no cinema norte-americano pode ser escorregadio e traiçoeiro, isso por conta do risco de, a depender de quem está por trás do projeto, a obra descambar para um nacionalismo superficial e patriotismo heroico vazio que não cola. Felizmente, não é isso que acontece em Oppenheimer, um filme que, apesar de ter incontáveis cenas de homens brancos sentados discutindo o futuro de milhares de pessoas (como era e continua acontecendo em muitos casos do mundo), trata o protagonista de forma curiosa e multifacetada, longe de uma hagiografia, mas distanciando-se também da crítica vilanesca.


Para contar a história do “pai da bomba atômica” e dos desdobramentos morais deste homem, Christopher Nolan tem nas mãos um elenco de peso em pequenos papeis, com diversos rostos famosos que aparecem por menos de um minuto (tome um gole de cerveja a cada primeira aparição de um ator conhecido, e você provavelmente sairá embriagado da sessão). Isso, no entanto, diz mais sobre a moral e respeito que o cineasta ainda tem em Hollywood do que um defeito do filme. Aparentemente, muitas pessoas querem trabalhar com Nolan, nem que seja para aparecer por pouco tempo. Até porque os holofotes e a grande estrela aqui está colada em Cillian Murphy, em um trabalho que merece palmas, visto que é notável como o ator vai de um jovem acadêmico blasé e arrogante a um homem atormentado por seus próprios atos, tanto na postura física (a coluna ereta dá lugar ao pescoço e ombros que o fazem ficar levemente cabisbaixo), expressões faciais ou mudança na entonação da voz.

Cillian Murphy muito doido

Corroborando com isso, um bom caminho que o filme também toma é evitar tratar Oppenheimer inicialmente como um gênio bitolado e obcecado por ciência, mas sim como alguém que aprende com a arte o poder que a criatividade pode ter para a experimentação, mesmo se tratando a Física de uma ciência exata. Percebam as cenas nada aleatórias dele apreciando Picasso, lendo obras literárias clássicas ou escutando Stravinsky intercaladas com o físico jogando taças de vidro para quebrarem no canto da parede enquanto provavelmente reflete sobre fissão nuclear.


Nolan também faz do retrato dessa figura complexa e controversa o seu filme mais político, conduzindo o espectador a entender melhor o protagonista, mesmo que não concorde com as atitudes deste, influenciando o desenvolvimento de um sentimento de torcida pelo protagonista por conta das injustiças persecutórias sofridas por ele durante a Guerra Fria e caça às bruxas do comunismo. De uma certa maneira, assim como alguns diretores iniciaram um movimento recente de fazerem obras em homenagem ao cinema (Spielberg com Os Fabelmans, Iñarritu com Bardo, Kenneth Branagh com Belfast, etc), o homenageado perfeito para Cristopher Nolan seria justamente J. Robert Oppenheimer, alguém que não só tem a ciência incrustada na biografia, mas que também está diretamente relacionado aos maiores BANGS que a história já testemunhou, temas recorrentes na filmografia do diretor (ciência e, bem, explosões), acrescidas de um teor crítico em relação a um período sombrio politicamente.

Oppenheimer no senado americano

Costurando as linhas narrativas com maestria, a montagem de Jennifer Lame também sabe impor um ritmo jamais cansativo às 3 horas de projeção da obra, onde nenhuma cena jamais parece deslocada para o desenrolar instigante da história. Impressiona também como o a fotografia de Hoyte Van Hoytema entende da linguagem e sabe utilizar as lentes para efeito dramático eficiente. Na conversa entre o presidente Truman e o protagonista, por exemplo, utiliza-se uma grande angular nos closes de Oppenheimer, distorcendo as laterais e criando um efeito quase fantasmagórico, que transparece o desconforto e dilema moral do físico naquele momento, enquanto o presidente beligerante e sem remorso nenhum é visto de maneira natural, como tudo aquilo lhe parecia. Matar mais gente numa tacada só e de forma cruel, mas largar na frente na corrida armamentista? Normal para os chefes poderosos.


Em Oppenheimer, muito mais impactante do que o momento da explosão das bombas literais (que sim, é impactante em termos visuais e sonoros), é o desenrolar dramático do terço final que chama mais atenção. Que a guerra é ruim, todos sabem e, convenhamos, não seria mais que obrigação expor para o público os efeitos deletérios das disputas armadas globais. O que faz a diferença neste filme é a forma como isso é feito, sem a dependência de um plot twist escondido debaixo da manga do roteiro, sem a pieguice de discursos sobre amor vencendo o ódio, mas com uma conclusão antiguerra que foi lentamente desenvolvida numa espécie de fogo baixo, constante e inteligente, causando mais satisfação mais do que um grande estouro ao qual o personagem título é historicamente ligado.


 

Nota: 4/5


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