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  • Foto do escritorMessias Adriano

Plano 75 | Crítica

Idosa olhando pro horizonte

No ranking geral de longevidade, o Japão está em primeiro lugar, com uma expectativa de vida altíssima em relação a qualquer outro país do mundo. O fato de eu escrever esta frase enquanto estou esparramado na cadeira pode dizer muito sobre a saúde nipônica, que certamente leva mais a sério a postura corporal do que eu, ou do que nós, brasileiros em geral. Ok, me sentei direito.


Em Plano 75 (boa notícia: não precisa ter assistido aos outros 74 anteriores), o governo japonês estabelece uma “oportunidade” que garante aos cidadãos a partir de 75 anos o direito da morte assistida. Tal lei de “eutanásia governamental” é criada em meio a uma sociedade etarista e que frequentemente subestima o valor dos idosos, acrescentando-se o fato de que a população mais velha estaria desequilibrando contas públicas. Um mundo distópico, mas nem tanto (retire a lei imposta e você estará na nossa sociedade atual).


O incentivo dessa solução pra resolver o crítico problema do envelhecimento populacional é prometer dinheiro para os idosos usarem como quiser. São 100 mil ienes (cerca de 3 mil reais) oferecidos pelo governo em um curto espaço de tempo, quantia a qual pode ser usada para passar um fim de semana em um spa, alguma viagem curta, ou justamente para pagar o próprio funeral.


Repete-se algumas vezes que o participante pode desistir a qualquer tempo, mas não há muita clareza no que ocorre em caso de desistência (imagino que o idoso deve ficar com dívida, provavelmente). Mas o fato é que o plano dá certo: em determinado momento, ouvimos a notícia de que o governo deseja inclusive aumentar a abrangência para os que tenham 65 anos ou mais também participem da novidade (o que abre a possibilidade para a sequência, Plano 65: O Inimigo Agora É Outro, ou Plano 65: Tokyo Drift).


Idosa olhando pro corredor

Ora, mas normalmente não faria muito sentido se sacrificar individualmente para resolver um problema geral como o da previdência - que vem se tornando uma questão complicada até mesmo em países desenvolvidos cuja população envelhece rapidamente, com a Itália. Fosse esse programa estabelecido no Brasil, certamente teríamos mais pessoas fraudando o plano para ficar com o benefício financeiro do que dando continuidade à contraprestação final - morrer.


A defesa da honra e a ideia de morrer a favor do bem pátria, no entanto, é muito forte e enraizada na sociedade japonesa há muito tempo. Portanto, faz sentido vermos diversos velhinhos justificando a decisão de aderir ao programa para “fazer pelo bem dos netos”, quase como kamikazes da atualidade.


Então conhecemos Mishi (Chieko Baishō), uma senhora solitária que mora em um apartamento minúsculo, cujo contato com a família praticamente inexiste e que não consegue mais se recolocar no mercado de trabalho devido à idade avançada. Considerando que aderir ao programa seria uma boa ideia, ela conhece o “agente de vendas” Himoru (Hayato Isomura), enquanto acompanhamos em paralelo Maria (Stefanie Arianne), uma filipina que passa a trabalhar no local que preparará os idosos para a morte.


Essas muitas tramas paralelas (a da idosa, a do agente do plano e a da cuidadora filipina) atrapalham bastante qualquer tipo de envolvimento emocional do espectador. Muito se fala, pouco se desenvolve e falta aqui ao subentendido qualquer tipo de peso dramático: Himoru encontra um tio com dificuldades financeiras e passa a querer ajudá-lo em vez de fazê-lo aderir ao plano, mas não há muita oportunidade para que o velho homem justifique suas escolhas. A filha de Maria, a cuidadora filipina, tem problemas de saúde e a mulher precisa de dinheiro para custear o tratamento, mas nenhum tipo de detalhe daquele relacionamento é esclarecido, quase como se tivessem esquecido aquela história na sala de montagem do filme.


Idosas achando bom

Alguns enquadramentos que chamam atenção, como o contraste de uma idosa feliz falando na tv sobre programa, enquanto vemos Mishi triste na sala de espera para ser atendida por alguém do plano. Ou o de Mishi no ônibus tendo o rosto iluminado pelo sol, mas cuja absorção de Vitamina D é interrompida quando o veículo entra em um longo túnel escuro. Nenhum desses bonitos planos, no entanto, mudam o fato de o filme ser bastante aborrecido.


Existem algumas obras sobre eutanásia e que tentam se aprofundar em questões morais, como o valor da vida e a escolha individual de se livrar dela (Mar A Dentro, com Javier Bardem, ou Você Não Conhece Jack, com Al Pacino). Existem muitos outros que ilustram o processo do ocaso da vida (o belo nacional A Despedida, com Nelson Xavier me vem à mente). Plano 75 não ganha destaque no meio de nenhum deles, sendo seco até demais ao retratar a solidão dos idosos que não têm com quem conversar e encontram alento nas atendentes telefônicas que acompanham quem quer seguir o plano de morte assistida.


Não apostar no impacto, a princípio, não é uma decisão necessariamente ruim para um filme. Existem inúmeros que seguem pela mesma estratégia e conseguem um resultado esplêndido (só de japoneses recentes, temos Drive My Car ou Dias Perfeitos nessa linha). O problema é que aqui a trama é constantemente inerte por muito tempo e funciona como um início de comentário social, mas que tateia e não acha nada. Se afasta do melodrama, mas não encontra sequer o drama, numa rigidez embrutecida e emoção discreta (discretíssima, quase inexistente), que certamente deixará dúvidas sobre como um filme desses consegue ser selecionado – e premiado – em Cannes.


 

Nota: 2/5

nota 2 estrelas de 5

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