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Feliz Aniversário | Crítica

  • Foto do escritor: Messias Adriano
    Messias Adriano
  • 26 de out.
  • 3 min de leitura
Feliz Aniversário Crítica

Quando a abertura de Feliz Aniversário mostra duas crianças fofíssimas brincando e se festejando inadvertidamente em relação ao mundo ao redor delas, o espectador cínico logo pensa que é questão de tempo até que algo de ruim aconteça às garotas: uma bomba, a separação das amigas, a morte de um parente próximo e o apoio incondicional da inocência infantil, etc. O que ocorre, no entanto, é algo banal no cotidiano não só da cidade de Cairo, mas em todo o mundo: enquanto a criança Nelly (Khadija Ahmed) volta a dormir no quarto confortável, Toha (Doha Ramadan) põe a bandana e vai ajudar a família de Nelly nas tarefas domésticas.


O filme todo se desenrola no dia do aniversário de Nelly, a criança com posses mas que não pode ter uma festa por conta da mudança que sua mãe e avó estão organizando. Os objetos já encaixotados impedem que a família receba convidados no casarão em que vivem. No entanto, a história não será focada no drama da pobre-menina-rica e suas frustrações. O filme é sobre Toha, a empregada-mirim da casa, e sobre relações de classe.


A diretora Sarah Goher consegue extrair encanto do elenco infantil: há um charme gaiato nas meninas “acordando” pela segunda vez, assim como acreditamos na birra de uma ou outra criança ao não querer dividir um objeto.


Feliz Aniversário Crítica

No entanto, não há muita sutileza na forma com a qual as adversidades ocorrem com Toha, quase sempre trazidas à tela com uma sacarina covarde: há câmera lenta acompanhada de uma trilha sonora de violinos dramáticos que tentam bombardear o espectador com emoção, sacudir pelos ombros e dizer: “Chore agora mesmo. Vai.”. Mas quem já viu trezentos filmes assim não vai ser impactado por closes em lágrimas unitárias.


Porém, quando se afasta da pieguice, Feliz Aniversário tem força nas relações de Toha com sua família sanguínea, onde as conexões são reais, principalmente se contrastadas com as da família de Nelly, inclusive em relação à divisão de bens e afeto: a falta que o pai de Toha faz não é pela ausência de presentes em aniversários, mas pelo cheiro da roupa. A mãe de Toha ensina por necessidade, mas também por bondade genuína, que o vestido da garota deve ser compartilhado com a irmã. Nesse sentido, a simples revelação de um endereço por um personagem soa muito mais efetiva dramaticamente do que a catarse imposta por uma dança em slow motion.


A avó de Nelly poderia representar o que de mais ultrapassado e conservador existe naquela sociedade. Apesar de dizer que Toha executa apenas tarefas leves, trocar bujão de gás com um isqueiro ou manipular agulhas são ações cotidianas no trabalho da pequena empregada. Em (falso) contraste, há Laila, mãe de Nelly. Mais jovem e divorciada, a mulher se mostra compreensiva em algumas passagens: proíbe Toha de trabalhar depois de uma queda, faz com que a garota prove de vestido que queria, manda tirar a bandana que a identifica como empregada quando as duas vão às compras.


Feliz Aniversário Crítica

Mas a sensação de progressismo cai por terra com o desenrolar. Todas as atitudes de Laila revelam-se tomadas somente para benefício próprio: não ser responsabilizada por um acidente de trabalho, usar a garota como manequim da filha ou não ser denunciada por utilizar-se de trabalho infantil.


Existe uma inocência silenciosa das duas amigas Nelly e Toha. A amizade entre a filha da patroa e a empregada-mirim é fechada evitando redenções mágicas e ressaltando as divisões sociais universais: ao tapar os olhos de Nelly na surpresa de um “adivinha quem é”, a garota rica sequer lembra da possível presença da amiga com a qual planejou a festa pela manhã.


Assim, Feliz Aniversário equilibra sua crítica social de forma ora piegas, ora discreta, o que finda em um resultado compentente, mas facilmente esquecível.



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Nota: 3/5


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