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Águias da República | Crítica

  • Foto do escritor: Messias Adriano
    Messias Adriano
  • 22 de out.
  • 3 min de leitura
Águias da República crítica

A força do autoritarismo já foi objeto temático de diversos filmes ao longo da história do cinema. Águias da República, filme egípcio e terceira entrada na chamada “Trilogia do Cairo” do diretor Tarik Saleh, depois de The Nile Hilton Incident e Garoto dos Céus, utiliza-se de uma mistura de thriller e sátira para representar a opressão que um regime pode impor, inclusive à arte.


O famosíssimo ator egípcio George Fahmy (Fares Fares, bastante parecido com Adrien Brody aqui) possui um dilema para resolver: após um avanço estratégico do regime autoritário na arte do país, George é forçado a fazer um filme-propaganda do governo, tendo em vista que a recusa poderia trazer problemas para si, para sua família e para os seus amigos mais próximos.


Exalando um ar canastrão e de boa gente, Fares faz de George uma pessoa de sorriso contagiante, mas o roteiro faz do protagonista um personagem moralmente complexo: rico, o famoso ator possui um claro distanciamento com o filho e com a mãe do garoto, mas crê que a arte é sagrada. Ele não quer ganhar seu dinheiro fazendo filmes ruins, pois acredita que possui talento.

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Apesar de ter arrumado uma mulher bem mais jovem para se relacionar (Lyna Khoudri, interpretando a aspirante a atriz Donya), George ainda tenta à sua maneira uma reaproximação do filho adolescente, mas mandar um assessor comprar um relógio caro para o garoto não vai ser suficiente para suprir a ausência. Quando tem o convite inicial feito pelo estúdio estatal, o primeiro instinto do protagonista é de recusar, pois sabe da má qualidade dos filmes que dali saem. Quando seu filho é ameaçado, no entanto, a situação muda de figura. Uma coisa é não conseguir se aproximar do filho. Outra coisa é deixá-lo morrer em um acidente forjado.


Existe um visível constrangimento inicial de George na função de ator-objeto: ao entrar no estúdio do filme-propaganda pela primeira vez, o homem evita inclusive fazer contato visual com aquelas pessoas que lhe impuseram o trabalho. Com o desenrolar do filme, no entanto, vemos que ele ainda quer saia algo decente dali, trocando ideias e gritos com o diretor ou com os colegas de cena.


Com uma composição de quadros bem pensada e esteticamente bonita (vide os planos de George ao lado de grandes pôsteres com seus filmes, ou de George deslocado enquanto militares se reúnem em uma mesa ao lado), a direção de Saleh é competente em inserir situações cômicas de forma bastante natural (o problema de ereção que força o protagonista a ir uma farmácia arranca boas risadas), mas brilha principalmente na construção da tensão: seja ao abrir a porta de um elevador elevador, ao vermos um soldado ao longe armado, ou um determinado personagem virar esquina com a câmera na nuca, quase sempre estamos esperando o pior das situações.


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Acostumado a ter poder de mandar tirar uma pessoa do restaurante caso o olhar dessa pessoa estivesse lhe incomodando, George descobre que seu poder não é suficiente. Se vê apequenado diante das ameaças. No entanto, não é só o prestígio do protagonista que é ameaçado no filme, que reserva algumas reviravoltas para o final. Ao fim e ao cabo Saleh defende que os controles são passageiros e frágeis, que existe uma falsidade e liquidez tanto no poder de George, quanto no poder do regime autoritário. Essa mentira se une e se torna clara ao vermos a gravação da cena na qual o protagonista do filme-propaganda é aclamado, mas sabemos que é tudo mentira, é tudo ilusão. E não seria a própria profissão de ator, ou não seria o próprio cinema uma ilusão? O pai recitar uma fala de um filme seu para o filho como se fosse genuína também não é enganação?


O fato é que Águias da República levanta tais questionamentos de maneira intrincada, ora com apreensão, ora com humor, estabelece que há um mundo no qual boas pessoas são cooptadas a fazerem o que não querem, que até tentam obter favores que ajudam de fato (vide o que George faz pelo filho do vizinho com a ajuda do governo autoritário), mas que cedo ou tarde se tornarão frágeis diante da espiral de aprisionamento que é depender da tirania.


Inadvertidamente, o povo continua acreditando nas farsas que os fazem seguir, como apostar em corridas de cavalo.



Águias da República crítica

Nota: 4/5

1 comentário


Milena Moura
Milena Moura
22 de out.

Excelente crítica!

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