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Motel Destino | Crítica

Foto do escritor: Messias AdrianoMessias Adriano

Atualizado: 17 de dez. de 2024

Dois homens se olhando

O cearense Karim Aïnouz é dono de uma sofisticada filmografia como cineasta. Obras como o ótimo Praia do Futuro (com Wagner Moura), o bom documentário Marinheiro das Montanhas e, meu favorito, o melodrama tropical carioca cinquentista A Vida Invisível permeiam a lista. Também dono de uma rede excelente de contatos internacionais, ele concorreu em 2023 à Palma de Ouro (principal premiação do Festival de Cannes) com Firebrand (um filme que ninguém viu e que eu me pergunto se realmente existe, dada a demora no lançamento comercial) e teve outro filme na mesmíssima competição logo no ano seguinte, 2024, o longa-metragem Motel Destino. Ser selecionado à Palma de Ouro de Cannes por dois anos seguidos não é pouca coisa.


Na trama de Motel Destino, totalmente ambientada no litoral cearense, Heraldo (Iago Xavier) tem seus planos alterados após o irmão ser assassinado em uma emboscada para matar outra pessoa que deu errado. Tentando se esconder dos envolvidos que desejam retaliação pelo crime, o jovem se abrigará no estabelecimento Motel Destino, um local de beira de estrada tocado pelo canastrão Elias (Fábio Assunção) e pela esposa Dayana (Nataly Rocha).


Como thriller, Motel Destino gera boas expectativas no início, ao apostar nas rusgas no relacionamento dos três personagens centrais, cada um com seu tipo de mistério particular. O flerte entre Heraldo e Dayana, por vezes obstado pelo dono do motel em comportamento passivo-agressivo, é o ponto de inflamabilidade do trio, que constitui em Elias a figura de um homem perigoso, com contatos e influência suficientes para localizar a esposa quando ela foge para outro estado, forte fisicamente, mas patético em outras atitudes, como ao se embebedar na beira da piscina a ponto de precisar de ajuda para ser levado à cama (e ainda assim querer sexo depois disso). Sob esse terreno fértil, o filme é eficiente em criar tensão.

Uma mulher colocando um cigarro na boca de um homem.

Assim como A Vida Invisível, Aïnouz repete a parceria com a diretora de fotografia francesa Hélène Louvart, a qual também repete o estilo de imagem granulado, com muito “noise” na textura. Mas se naquele melodrama a decisão de acrescentar grãos às imagens encontrava justificativa em ajudar na ambientação da trama (que se passava no Rio de Janeiro dos Anos 50), quase imitando uma película antiga, aqui em Motel Destino essa textura aparentemente não passa de um charme estilístico, para deixar o que vemos dotado de uma consistência diferente de uma imagem lavada e perfeita em altíssima definição comum aos filmes atuais.


Nota-se no trabalho de som uma leve discrepância. Se os efeitos se mostram comportados a ponto de não colocarem nenhum tipo de filtro para imitar um áudio de WhatsApp quando um personagem recebe uma mensagem desse tipo pelo celular, a mixagem feita por Moabe Filho revela-se cuidadosa em muitos outros momentos. É perfeitamente possível, por exemplo, entender que os personagens estão escutando um som de volume alto em uma festa no meio da rua, mas também podemos ouvir a conversa entre o protagonista flertando com uma mulher de forma clara. Me lembrou, inclusive, uma cena de A Rede Social (David Fincher), quando dois personagens conversam no meio de uma festa de música eletrônica e conseguimos entender todo o diálogo sem prejudicar a ambientação barulhenta.

Dois homens e uma mulher dançando à beira da piscina.

Tal qual Guto Parente faz no ótimo Estranho Caminho, Motel Destino tem uma de suas forças na capacidade de externar a espontaneidade dos personagens. As atitudes, falas e gestos das pessoas que acompanhamos dificilmente soam estranhas ou antinaturais, o que certamente poderia acontecer caso dirigido ou atuado por profissionais menos talentosos, principalmente se você coloca na pauta do dia que uma das cenas será uma coreografia da música Pega o Guanabara e Vem na beira da piscina.


No entanto, todo o envolvimento e aflição da primeira metade se desenrolam de maneira um tanto quanto decepcionante frente à construção bem feita do início. Se é vibrante vermos as ameaças veladas de Elias, ou mesmo flashes oníricos inseridos em momentos de maior incômodo ou medo do protagonista, é aborrecido ouvirmos os personagens falarem explicitamente sobre destino ao final de forma tão didática, repetindo e martelando diversas vezes na boca dos personagens a temática, como uma fábula que tenta explicar a moral ao final.


Por mais que essas questões tirem um pouco do brilho do filme, o fato é que Karim Aïnouz segue como um cineasta de muitas cartas na manga e criatividade aliadas ao talento. Dada a oportunidade e roteiro corretos, fica a expectativa dos próximos filmes do diretor.


 

Nota: 3/5

Nota 3 estrelas de 5


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